FORMAÇÃO

ENTREVISTA A NUNO FONSECA

(PINTOR/ARTISTA)

MAIO 10, 2021

Nuno Fonseca

Artista Plástico, Professor e Parceiro WOU.

Nascido em Coimbra em 1976, forma-se em pintura pela ARCA com 24 anos.

A partir de 2008 dedica-se exclusivamente à pintura e ao seu estúdio Nuno Fonseca Atelier.

Em 2012 termina o mestrado em Comunicação Estética na mesma Universidade com o tema

“Na Arte a pintura e a planta viva”.

Desde 2000 em diante tem feito várias exposições um pouco por todo o país e no estrangeiro e recebido prémios ao longo da sua carreira como artista plástico.

WOU: Quando é que descobriste que querias ser pintor?

Nuno Fonseca: Eu tenho uma ideia de ser muito miúdo e sempre ter essa vontade. Não sabia que queria ser pintor ou artista, mas sabia que queria fazer aquilo sempre: criar, pintar. Lembro-me de fazer coisas com os lápis de cor e com os marcadores, mas também me lembro de ir para o jardim mexer em terra para fazer esculturas. Como não tinha barro ou plasticina, pegava naquilo que tinha à frente para fazer coisas. Lembro-me também da primeira pintura a óleo, por volta dos 10 anos e por acaso tinha ouvido falar da pintura a óleo, imaginei que seria com óleo da cozinha com pigmentos. (Risos) Então peguei nalguns pigmentos que tinha do meu avô, misturei o óleo da cozinha e pintei. Ficou uma coisa esquisita mas foi a minha primeira tentativa a óleo.

Mais tarde, no liceu comecei a aperceber-me que existia esta área e a possibilidade de vir a ser artista, ou ser pintor no meu caso, e enveredei por aí. Na verdade não tinha ninguém na família.

Foi muito por autodescoberta, por aquilo que foste desenvolvendo por ti próprio.

Sim, talvez porque eu enquanto novo era uma pessoa muito tímida e era uma forma de eu me expressar, até porque eu não me expressava muito bem pelas palavras, tinha sempre algum receio por uma questão de personalidade.

Era uma arte que fazias para ti próprio ou gostavas de a mostrar aos outros?

Não tenho a certeza. Sei que me sentia bem quando as pessoas elogiavam. Quando diziam “Ai, que bonito!”, fazia-me sentir bem. Aquela ideia que nós temos de que “Ah, a pessoa tem  muito jeito”, eu penso que esses elogios em tenra idade, uma espécie de festinhas no ego das crianças, faz com que elas invistam mais o seu tempo nessa área, acabando por se desenvolver mais. Eu gostava que as pessoas me elogiassem, mas tenho ideia que não fazia para que as pessoas gostassem. Queria perceber aquilo, de alguma forma criar alguma coisa que não sabia bem o quê e manipular os materiais, os papéis e as tintas. Não era um menino de pintar as coisas muito direitinhas. Embora, agora mais velho tenha vindo a fazer um trabalho um pouco mais figurativo, em miúdo gostava mesmo da abstração.

Como é que é a vida de artista, enquanto profissão? Quais as dificuldades e as vantagens?

As vantagens penso que é fazer-se uma coisa que se gosta. Ninguém se dedica a uma carreira de artista se não for uma coisa que goste mesmo. Tem mesmo que ser aquilo que está dentro de ti, aquilo que a todas as horas, a todos os minutos estás a pensar – essa é uma vantagem. A desvantagem é que no seu geral não é uma carreira assim tão estável e bem remunerada dentro de um padrão. Obviamente que há artistas que conseguem mais reconhecimento, outros com menos reconhecimento. Muitas das vezes também não é só pelo seu trabalho mas por toda uma máquina que pode estar à volta e ajuda a isso, e nem todos os artistas têm essa máquina ou essa capacidade de ter a máquina. Isso é um handicap que eu vejo muito nos cursos de artes, é que nós saímos de lá sem estar preparados para o mundo, para o mercado de trabalho. Vê-se o artista como aquela pessoa que não é comercial e que está fora do mundo dos trâmites normais, do comercial.

Em boa verdade nós criamos coisas para serem vendidas, para serem compradas. E quando falo em saber vender o nosso trabalho, não é pintar para vender mas é saber como, onde, qual o nosso público-alvo, quem é que procura aquilo que eu faço, quem é que gosta, etc.

Nesse aspeto eu penso que é difícil, por causa daquela coisa que toda a gente fala, que há pouco apoio. Não sei se há pouco ou se realmente nós somos muitos e era necessário muito apoio. Ou se neste caso, o apoio era mais aquele lugar comum de “em vez de nos darem o peixe, darem-nos a cana e ensinarem-nos a pescar.” Penso que era por aí, percebermos como é que podemos viver da arte – o lado comercial do que é ser artista. Considero que também é importante e há muito pudor, mesmo por parte dos artistas, em relação a esse lado. Quando se fala em ser-se comercial e ser-se artista é quase como uma heresia, e penso que isso é um handicap que acontece.

(…)

“O significado destes símbolos…se vos contar vou ter que vos matar.”

Quem olha para os teus quadros há um elemento figurativo que quase apetece tocar. O que pretendes transmitir com esses símbolos?

O significado destes símbolos…se vos contar depois vou ter que vos matar. (risos)

Por vezes, são elementos que ajudam a prender o olhar do observador, ajudam a abrir uma narrativa ou a colocar o observador no local ideal, intelectualmente, para observar as minhas obras. Por exemplo, este “N” que aqui está neste quadro (Imagem 2), era uma série feita por 12 obras, 12 capítulos, em que cada capítulo começava por uma letra. É engraçado que o capítulo começava no capítulo “N” e acabava no capítulo “M”. Ou seja, não seguia uma ordem do alfabeto e nem incluía todas as letras. Começava na “N” porque, não sendo um autoretrato mas sendo eu como modelo, era esse que iniciava o capítulo o “N” do meu nome “Nuno”.

Estas figuras que aparecem dos papelinhos e das folhas de papel têm um significado muito simples que é aquela ideia dos recados que ficam por dizer, de tudo aquilo que fica por dizer.

Por isso eles muitas vezes aparecem em branco. Aparecem papéis brancos só colados e é tudo aquilo que nós queríamos dizer e não dizemos. Mas de qualquer das formas, independentemente de eu querer utilizar elementos figurativos, eu nunca comprometo toda a construção estética da obra pelos elementos. Muitas das vezes convoco elementos que podem nem trazer um significado direto mas que ajudem apenas ao lado estético da obra. Como por exemplo a nuvem (canto inferior esquerdo do quadro) que está presa por uma fita ou ramo da árvore que passa pelo desenho. Por vezes acabam por trazer um significado diferente daquele que eu estava à espera para dentro da obra, e eu acabo por absorvê-lo e aceitá-lo. Na pintura funciono muito por diálogo, não tenho um projeto inicial onde faço um desenho e digo “Vou pintar isto assim”. Normalmente, vou dialogando com o suporte, preparo o suporte, vejo o que está a acontecer e a partir daí começa a nascer. Pode haver uma ideia, uma temática, mas o que vai aparecer naquela tela vai depender muito do diálogo que eu vou ter com o próprio suporte. Por isso, há elementos que sim, têm algum significado, e há outros que é porque esteticamente eu preciso deles e depois vou evoluindo a temática a partir dali.

(…)

“Eu pinto para exorcizar os meus demónios.”

O que mais te inspira a pintar?

O que mais me inspira realmente são as pessoas e o próprio suporte (tela). Vou sempre buscar muita inspiração no ser humano, na relação entre as pessoas, no andar na rua, na forma como as pessoas se movem e pensam. Às vezes até mesmo naquilo que as pessoas escrevem nas redes sociais, as diferentes realidades. A sociedade em si, nas coisas que acontecem e me chocam. E depois, muito, muito o diálogo com a obra – é um ensaio. Eu pinto para exorcizar os meus demónios. Acabo por estar ali a dialogar comigo mesmo e com o suporte, a tentar resolver questões e a pensar como as coisas acontecem de uma forma terapêutica.

Lembro-me nesta série de trabalhos, alguns deles abordarem questões pessoas, por exemplo: “porque é que aquilo aconteceu?”, “porque é que eu me senti assim?”, “porque é que aquela pessoa se sente assim?”. Inspiro-me nessa conversa imaginária ou no relembrar daquelas situações, e vou buscar elementos, atmosferas mais densas e menos densas para envolver a obra. Mas nunca me consigo libertar do lado estético. Não quer dizer que o lado estético seja agradável a toda a gente, por vezes até podem ser obras bastante densas e escuras.

(…)

Como é que definirias em percentagens o teu modo de pintar: 50% intuitivo, 50% racional?

Eu diria que é cerca de 90% racional e 10% intuitivo, no sentido em que eu gosto de controlar tudo. Mesmo as espontaneidades que acontecem, como os escorridos, eu deixo que elas aconteçam mas elas só vão viver, digamos assim, se eu assumir aquilo e se eu achar que é mesmo aquilo que eu quero. Não sou um pintor automático, que agarra, pinta, faz…e as coisas saem assim. Eu vou à procura, não tenho um projeto inicial, mas estou em tempo real, em frações de segundos logo a seguir ao gesto, a analisar aquilo que está a acontecer e a controlar. Por isso eu diria como sou muito mais racional do que intuitivo. Apesar de haver muita coisa que parece que é intuição, é na verdade apenas deixar fluir, deixar-me estar de uma forma liberta a pintar ou a analisar as coisas para que a minha racionalidade, aquela que eu não controlo, não se sobreponha. Mas eu penso que sou muito mais racional nesse aspeto. Na pintura posso considerar isso porque não deixo passar uma pinga, uma mancha, uma pincelada, sem estar vistoriada – “é assim que eu quero e é assim que eu vou deixar ficar”.

(…)

Três objetos que não dispensas.

Pincéis, suporte e tintas.

Vivia mais feliz sem telemóvel e computador do que sem pintar.

Se pudesses viajar no tempo e privar com um artista, qual escolherias?

Penso que escolheria o Rothko. (…)

Onde gostarias de ver os teus quadros expostos?

No Guggenheim de Bilbao ou no Palácio Versalhes. (…)

O que é que te falta pintar?

É engraçado, porque eu tenho estado a pensar muito sobre isso. Estou cada vez mais a sentir o apelo de me transformar, de depurar ao máximo as coisas que eu faço e começar a tirar a figuração e ser cada vez mais abstrato. Apesar de no meu percurso ter começado com abstração, mesmo antes de entrar para o curso já gostava da abstração, nos primeiros anos da licenciatura também foi muito abstração e só depois passei para a figuração. Agora sinto novamente o apelo para me tornar só abstrato, só tinta, só cor, sem esta ideia da figura que de alguma forma desculpa ou distrai o observado. Penso que me falta ir por aí, falta-me explorar. Claro que não é nada que não tenha sido feito, mas por mim, penso que era por aí que precisava de ir novamente.

(…)

Que conselhos podes deixar a quem quiser ser pintor?

Quem quiser ser pintor ou artista, o meu conselho é não se deixar levar pela ideia de que não se pode ser comercial e que ser comercial é mau. Não propriamente o ser comercial mas de que vender é mau. Não quer dizer que a pessoa seja um “comercialóide” e que pinte para vender e não seja autêntico, mas é preciso libertar-se desse preconceito que ainda existe muito e perceber que: “Ok, eu sou artista, gosto de fazer aquilo que faço e faço-o de uma forma autêntica e honesta. A quem é que eu vou mostrar isto e como é que eu posso ganhar dinheiro com isto? Quanto mais dinheiro ganhar mais posso investir na minha própria carreira e mais evoluo.”

Quem pinta só por pintar, para passar um bom tempo, o conselho que eu dou é virem aprender comigo. (risos) Venham para o atelier porque aqui passam um bom bocado e estamos bem, desmontamos uma série de questões, mesmo para quem quer ser artista.

Acima de tudo é não ter medo e agarrar, fazer, procurar e libertar-se. Ser autêntico. “Se é isto que eu quero mesmo assim, é assim que eu faço. Mas se eu quero fazer uma coisa diferente e não consigo fazer, pedir ajuda para a conseguir fazer, aprender. Por às vezes acontece fazermos as coisas de uma maneira mas é porque não as conseguimos fazer como gostaríamos e não temos coragem ou forças para ir aprender. Não há mal nenhum em não ser capaz de fazer e deve-se desmontar essa ideia de que é preciso nascer com jeito. Basta querer fazer, pintar, criar qualquer coisa – “Se eu sei criar, vou criar e aprender comigo. Se sinto que tenho que aprender com alguém, vou aprender com alguém sem medos e sem pudor.”

O conselho que eu dou é a pessoa libertar-se dessa ideia de que nasceu sem “jeito” e não pode aprender ou ser feliz nas artes.

Vê a entrevista integral no canal Youtube WOU.

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